



Por que voltar a Sintra 25 anos depois? Como surgiu esta ideia?
Tinha realizado essas filmagens em super-8 no período entre 79 e 81, em vez de escrever poemas (sou poeta e artista visual, também). Filmava como escrevia, diariamente, minhas impressões sobre a viagem, como anotações, diário.
Fiz mais de 40 documentários desde esse período até 2007 (Uaka, Lygiapape e muitos outros no tempo em que morei na Colômbia). Senti a necessidade, depois de ter realizado alguns filmes, de construir esse ensaio pessoal sobre o período de Sintra, investigar o território da memória, da memória involuntária, da construção imagética a partir desse tema. Ganhei um edital do Rumos (Itaú Cultural), e decidi fazer o longa.
Trata-se de um filme em primeira pessoa, uma viagem de reminiscências, uma viagem física até Portugal, país ao qual eu não tinha voltado desde 81, e em paralelo uma viagem da memória. Trata-se de um filme sensorial, afetivo, pessoal, um filme de amor, sobre a perda, um ensaio sobre eu mesma, sobre minha família, sobre Glauber, meu companheiro. Passado, presente e futuro, tudo está incluído nesse Tempo - tempos paralelos, que se mesclam e dialogam, o presente dialoga com o passado numa interpolação de tempos.
O que me parece importante enfatizar no “Diário de Sintra” é, em primeiro lugar, o seu caráter de documentário reflexivo. É a partir desse ponto que se pode estruturar um trabalho autêntico, singular, poético, forte e apaixonante. Refletida essa questão, as demais vão ganhar respostas, pois se encontram submetidas a isto.
A força desse projeto, no meu entender, está na ênfase sobre o olhar, sobre a memória afetiva e crítica sobre aquele período em que vivi ao lado de Glauber e meus filhos em Portugal. Ao chamar a atenção para o olhar, ganham destaque os meios e as mediações que constroem meu discurso. O que estrutura meu olhar sobre o mundo sensível? As texturas do filme, as composições de imagem e som, a montagem que segue um fluxo mental e extremamente singular e pessoal, mas que através disso pode atingir os espectadores. É o processo de entendimento do mundo através da memória que precisa ficar claro. Por isso não é, e não se propõe realista, não é uma “janela sobre o mundo”. A ênfase não é sobre o real, mas sobre a memória e a forma que ela constrói o real. A consciência sobre os mecanismos de medição é algo fundamental.
Não é um filme de caráter jornalístico ou histórico no sentido de que pretende esmiuçar detalhadamente uma questão ou um evento .Tão pouco é um filme de encontros onde se destacam os momentos singulares entre realizador e personagens registrado pela câmera
Glauber aparece através do meu olhar ,que hoje, olha para aquele momento de nossas vidas com 25 anos de acúmulos e reflexões. O momento tão pouco conhecido da vida de Glauber, os meses que antecederam sua morte, o momento que ele denominou de “intervalo”, de “fim de um ciclo”
Glauber inicia no final dos anos 60 uma peregrinação pelo mundo que reforça esse movimento. É um nômade. Vive o movimento de descolonização da África. Em 1974 a revolução dos cravos faz sentir esse movimento em Portugal. Caminha entre a estética da fome e a estética do sonho.
... entender que “Diário de Sintra” se trata de duas viagens paralelas. Uma viagem física a cidade de Sintra depois de 25 anos sem nunca ter voltado lá, e uma outra viagem que é da memória, de como se dá esse meu olhar nesse "entre" as coisas. A reflexão sobre aquele período passa por uma interiorização desse processo através da sensibilidade de uma certa subjetividade. Compreendi que a força desse projeto está na ênfase sobre o olhar, sobre a memória afetiva e crítica através dos quais posso construir minha trajetória ao lado de Glauber. Minha história, minha sensibilidade, é objeto tanto quanto a vida de Glauber.